O instituto do Acordo de Leniência, no âmbito da Lei Anticorrupção, busca a reparação do dano causado ao erário e tem sido amplamente adotado pelas autoridades e empresas brasileiras. Dentre as obrigações comumente estabelecidas nos acordos de leniência, destacam-se as obrigações de pagamento de multa – conforme os parâmetros previstos na Lei Anticorrupção – e reparação integral do dano causado, bem como obrigações de implementação ou aprimoramento de programas de compliance, com a respectiva obrigação de monitoramento e reportes periódicos acerca da implementação e evolução dos mecanismos de compliance das empresas lenientes.

De acordo com informações públicas disponíveis no site do Ministério Público Federal (MPF), desde a vigência da Lei Anticorrupção, o Ministério Público Federal celebrou 42 acordos de leniência, dos quais 7 foram posteriormente aditados, alguns mais de uma vez, gerando uma restituição à União de R$ 24.522.039.740,00. A despeito da pandemia do novo coronavírus, o Ministério Público Federal celebrou 6 acordos de leniência em 2021, quantidade equivalente à do ano de 2017 –as negociações de 4 dos acordos tiveram início em 2019 e 2020 – e que resultaram na restituição de R$ 1.353.102.525,00 às entidades lesadas e cofres públicos.

Por sua vez, conforme balanço divulgado no site da Controladoria Geral da União (CGU), até dezembro de 2021, 17 acordos de leniência haviam sido celebrados com a CGU e Advocacia Geral da União (AGU) e 24 negociações se encontram atualmente em andamento. Os acordos celebrados com a CGU e a AGU estabelecem o pagamento de R$ 15.45 bilhões em multas, dos quais R$ 5.57 bilhões já foram pagos ao Tesouro Nacional ou às entidades estatais lesadas. Somente no ano de 2021, 5 novos acordos foram celebrados, totalizando R$ 1.772.573.132,13 em multas acordadas e correspondendo a 29% dos acordos já celebrados pelas entidades.

Em 2021, o MPF, CGU e a AGU celebraram acordos de leniência, com fulcro na Lei Anticorrupção e na Lei de Improbidade Administrativa, com empresas de distintos setores: (i) Rolls-Royce PLC (apenas com a CGU e AGU); (ii) Statkraft (apenas com a CGU e AGU); (iii) Amec Foster Wheeler (celebrado com a CGU, AGU e MPF); (iv) Sicpa e Ceptis (apenas com a CGU e AGU); (v) Samsung Heavy Industries (celebrado com a CGU, AGU e MPF);(vi) omitido; (vii) Aegea Engenharia e Comércio Ltda. (apenas com o MPF); (viii) Car Rental Systems do Brasil Locação de Veículos Ltda. e Hertz France S.A.S (apenas com o MPF); e (ix) JBJ Agropecuária Ltda. e Prima Foods S.A. (apenas com o MPF).

Como destaque, a multinacional Rolls-Royce celebrou acordo de leniência com a CGU e AGU em razão do pagamento de um total de US$ 9,3 milhões em vantagens indevidas, entre os anos de 2003 e 2013, por meio de terceiros intermediários para obtenção de contratos da Petrobras, que foram reveladas no contexto das investigações conduzidas pela Operação Lava Jato. O acordo de leniência com a CGU foi firmado no contexto da resolução global da Rolls-Royce realizada em 2017, quando foram celebrados, concomitantemente, acordos com o MPF, com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) e com a Serious Fraud Office (SFO) do Reino Unido para a resolução de atos ilícitos praticados em diversos países, incluindo o Brasil, China, Indonésia, Rússia e Nigéria. O valor total do acordo de leniência firmado com a CGU é de US$ 27,8 milhões, dos quais US$ 2,2 milhões serão destinados aos cofres da União, de forma a complementar o pagamento de US$ 25,6 milhões que já foi efetuado no Brasil. Além disso, a empresa britânica se comprometeu a aperfeiçoar o seu programa de integridade.

Ademais, a Samsung Heavy Industries (SHI), também celebrou acordo de leniência com a CGU, AGU e MPF em razão de práticas de corrupção e lavagem de dinheiro cometidas no âmbito de contratos firmados com a Petrobras. O acordo de leniência foi resultado de uma resolução global envolvendo autoridades brasileiras e o DoJ. Não obstante tenha sido uma resolução global, o acordo da Samsung foi um acordo em duas etapas, uma vez que em novembro de 2019, a SHI já havia celebrado acordo (Deferred Prosecution Agreement) com o DoJ pelas mesmas condutas ilícitas. Nos acordos de leniência com as autoridades brasileiras, a SHI assumiu a obrigação de pagar o valor total de R$ 811.786.743,49, dos quais aproximadamente 37,5 milhões de dólares foram considerados como crédito da multa estabelecida pelo DoJ. Ademais, no âmbito do acordo de leniência, a SHI também assumiu a obrigação de aperfeiçoar as suas políticas e procedimentos de compliance e governança.

Similarmente, em junho de 2021, foram firmados acordos de leniência entre as empresas Amec Foster Wheeler Energy Limited e Amec Foster Wheeler America Latina, subsidiárias do grupo econômico John Wood Group PLC, e a CGU, a AGU e o MPF. Este acordo foi resultado de um trabalho em cooperação internacional e, portanto, acordos relacionados também foram celebrados com o DoJ, a Security Exchange Commission (SEC) dos Estados Unidos da América e o SFO. O acordo de leniência está relacionado às condutas ilícitas ocorridas no âmbito de um projeto firmado com a Petrobras, que se deu antes de a Amec PLC adquirir a Foster Wheeler AG em novembro de 2014, e antes da aquisição de ambas as empresas pela Wood em outubro de 2017. Dentro do escopo do acordo de leniência, as empresas se comprometeram a realizar o pagamento do valor total de R$ 86.196.063,32 milhões (US$ 17,492,149.14) no Brasil. As empresas também se comprometeram a pagar valores às autoridades americana e britânica.   Além do pagamento dos valores acordados, as subsidiárias do grupo Foster Wheeler se comprometeram a atualizar a aperfeiçoar suas políticas de governança e de compliance.

O acordo celebrado pela CGU e a AGU com as empresas Statkraft Energias Renováveis S.A. (Statkraft), Macaúbas Energética S.A., Seabra Energética S.A. e Novo Horizonte Energética S.A foi resultado de reporte espontâneo feito pela Statkraft às autoridades brasileiras em 2016, após realização de investigação interna. A Statkraft admitiu que, antes de assumir o controle da Desenvix Energias Renováveis S.A. em 2015, a Desenvix fez pagamentos ilegais para acelerar as aprovações de entidades públicas entre 2011 e 2014. Os ilícitos estão relacionados a recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). Com a celebração do acordo, a empresa se comprometeu com o pagamento do valor de R$ 18,01 milhões. As empresas signatárias do acordo se comprometeram, ainda, a atualizar e aperfeiçoar suas políticas de governança e de integridade.

Por sua vez, o acordo celebrado pela Car Rental Systems do Brasil Locação de Veículos Ltda. e Hertz France S.A.S com o MPF em 2021 foi celebrado no contexto de uma resolução das empresas com todas as autoridades brasileiras, uma vez que em 2020 as empresas já haviam celebrado acordo de leniência com a CGU e a AGU. As informações sobre o acordo do MPF, no entanto, se encontram sob sigilo até a data da presente publicação.

Demais acordos celebrados com o MPF em 2021 também estão atualmente sob sigilo.

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