A Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, em vigor desde janeiro de 2014, foi promulgada em resposta às obrigações internacionais do Brasil assumidas no âmbito da Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, e foi inspirada em normas internacionais de combate à corrupção, como o Foreign Corrupt Practices Act (“FCPA”) dos Estados Unidos e o UK Bribery Act do Reino Unido. A Lei Anticorrupção visa concretizar a responsabilidade objetiva, administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a Administração Pública.

Uma das maiores inovações trazidas pela lei foi o instituto do Acordo de Leniência, no âmbito da Lei Anticorrupção, que busca a reparação do dano causado ao erário. De acordo com informações públicas disponíveis no site do Ministério Público Federal, desde a vigência da Lei Anticorrupção, o Ministério Público Federal celebrou 34 acordos de leniência, dos quais 7 foram aditados, gerando uma pagamentos à União de R$ 22.931.564.364,00. Não obstante a pandemia do coronavírus, o Ministério Público Federal celebrou 5 acordos de leniência em 2020, consistindo em 15% do total de acordos celebrados em 7 anos – ainda que as negociações de 4 dos acordos tenham tido início em 2018 e 2019 – e que resultaram no pagamento de R$ 347.712.013,00 às entidades lesadas e cofres públicos.

Por sua vez, de acordo com informações disponíveis no Plano Anticorrupção e no website da Controladoria-Geral da União, foram firmados até o momento 12 pela CGU no âmbito da Lei Anticorrupção, com a previsão de pagamento do valor de R$ 13.672.617.356,73, entre ressarcimento e multas, dos quais aproximadamente R$ 3,8 bilhões já foram pagos ao Tesouro Nacional ou às entidades estatais lesadas, sendo cerca de R$ 1,3 bilhão em 2019 e 2020.

Um dos maiores acordos e com o mais alto montante de ressarcimento ao erário foi firmado pela CGU, no âmbito da Lei Anticorrupção, com a empresa Braskem S.A., investigada na Operação Lava Jato, que deverá pagar, até janeiro de 2025, o valor total de R$2,87 bilhões de reais. A empresa leniente colaborou ativamente com informações e provas sobre atos ilícitos cometidos por mais de 60 pessoas físicas e jurídicas.

Por sua vez, o maior acordo de leniência da história do país foi firmado Ministério Público Federal e o Grupo J&F Investimentos S.A., em decorrência das operações Greenfield, Sépsis, Cui Bono, Bullish e Carne Fraca. Em razão do acordo do Grupo J&F Investimentos S.A, a 5ªCCR homologou a possibilidade de as instituições realizarem apurações administrativas e internas que tenham como alvo fazer com que empresas do Grupo optem por aderir ao acordo. Ademais, nos termos do acordo de leniência foi decidido que o Grupo deverá pagar o valor de R$ 10,3 bilhões até o ano de 2042, a serem destinados à Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF), Fundação Petrobras de Seguridade Social (PETROS), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no percentual de 25% a cada um destes órgãos, como, também, à União, no percentual de 12,5% e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e à Caixa Econômica Federal, na proporção de 6,25% cada.

Adicionalmente, desde 2016 foram instaurados 695 Processos Administrativos de Responsabilização de entes privados, que resultaram na aplicação de 46 penalidades de publicação extraordinária e de 119 multas no valor total de aproximadamente R$ 101,60 milhões. Quanto à aplicação de multas, em 2019, foram registradas 35 multas que totalizaram o valor de cerca de R$ 9,65 milhões, enquanto em 2020, foram registradas 29 multas que totalizaram o valor de cerca de R$ 82,12 milhões. Mais uma vez, mesmo considerando o contexto do coronavírus, ainda que o número de multas tenha diminuído em aproximadamente 17%, o valor total dessas multas em 2020 superou em mais de 750% o valor total das multas de 2019.

     a. Atualizações Normativas

Diversos órgãos têm tomado medidas para definir e coordenar melhor seus respectivos papéis no âmbito de celebração de acordos de leniência, bem como as regras de procedimento para celebração de acordos de leniência. Essas agências incluem: (i) a CGU; (ii) a AGU; (iii) o MPF; e (iv) o Tribunal de Contas da União (“TCU”), que tem poderes para fazer cumprir certas sanções administrativas e também fiscalizar e suspender (quando aplicável) atos governamentais envolvendo entidades ou fundos federais.

Mais recentemente, em agosto de 2020, a CGU, a AGU, o TCU e o Ministério da Justiça, sob coordenação do STF, firmaram um acordo de cooperação técnica que permite o compartilhamento de informações entre esses órgãos. Ao estimular a coordenação e a cooperação entre as agências de fiscalização brasileiras, o acordo supostamente visa a aprimorar a fiscalização anticorrupção, melhorar a capacidade de investigação das autoridades brasileiras e garantir a segurança jurídica no contexto de acordos de leniência. O acordo de cooperação prevê que a CGU e a AGU serão as responsáveis pela negociação e aprovação dos acordos de leniência, e a CGU, a AGU e o TCU buscarão padronizar a metodologia de cálculo do valor dos danos a serem ressarcidos pelas pessoas jurídicas. O acordo de cooperação também previa que o MPF e a Polícia Federal, no curso das investigações, comunicassem à CGU e à AGU as condutas relacionadas a corrupção cometidas por pessoas jurídicas, e que a CGU, AGU, MPF e, quando aplicável, a Polícia Federal, procurariam atuar de forma coordenada nas negociações dos acordos de leniência. O MPF não aderiu ao acordo de cooperação.

Não obstante, o Ministério Público Federal emitiu, em novembro de 2020, a Orientação nº 10, que estabelece os procedimentos internos do MPF para a elaboração e aprovação de acordos relacionados com a Lei de Improbidade Administrativa e Lei Anticorrupção. Nos termos da Orientação nº 10, o MPF pode celebrar três modalidades de acordos com pessoas jurídicas ou físicas para resolver condutas relacionadas à improbidade administrativa: (i) Termo de Ajustamento de Conduta; (ii) Acordo de Não Persecução Cível; e (iii) Acordo de Leniência. A Orientação nº 10 estabelece os princípios e regras que devem nortear as ações do MPF durante a negociação e aprovação dos acordos, bem como as cláusulas obrigatórias e os direitos e obrigações das pessoas físicas e jurídicas que celebram acordos. De acordo com a Orientação nº 10, o MPF é incentivado a impor obrigações relacionadas à melhoria dos programas de compliance em tais acordos.

Embora o papel específico de cada órgão possa sofrer alterações, esses desenvolvimentos sugerem que as autoridades irão cada vez mais unir esforços para negociar acordos de leniência. Da mesma forma, o acordo de leniência celebrado em junho de 2019 com a Technip Brasil, reconhecido e destacado no Plano Anticorrupção, resultou na primeira negociação global envolvendo a CGU, AGU, o Ministério Público Federal (MPF) e o Departamento de Justiça Norte-Americano (DoJ), firmado no montante de R$ 1,13 bilhão, dos quais R$ 819 milhões pagos ao Brasil.

     b. Acordos celebrados em 2020

Em 2020, o MPF, CGU e a AGU celebraram acordos de leniência, com fulcro na Lei Anticorrupção e Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), com seis empresas de distintos setores, quais sejam: (i) Car Rental Systems do Brasil Locação de Veículos Ltda.; (ii) Grupo J. Malucelli; (iii) Philips Medical Systems Ltda.; (iv) Construtora Noberto Odebrecht S.A., além de outras duas empresas cujos nomes estão sob sigilo até a data desta publicação. Dentre as obrigações estabelecidas nos acordos de leniência, destacam-se as obrigações de pagamento de multa – conforme os parâmetros previstos na Lei Anticorrupção e/ou Lei de Improbidade Administrativa – e reparação integral do dano causado, bem como obrigações de implementação ou aprimoramento de programas de compliance, com a respectiva obrigação de monitoramento e reportes periódicos acerca da implementação e evolução dos mecanismos de compliance das companhias celebrantes.

Ademais, destaca-se que o MPF, em determinados acordos de leniência, estabeleceu a obrigação das companhias celebrantes de se sujeitarem a um regime de monitoramento independente. Nesses casos, o monitor independente possui a responsabilidade de aferir e monitorar a implementação, pelas companhias celebrantes, de um programa de compliance robusto e efetivo, na forma do Decreto n° 8.420/15 e demais legislações aplicáveis, dentro do período de monitoramento previsto no acordo de leniência.

O acordo de leniência da Car Rental Systems do Brasil Locação de Veículos Ltda. (“Car Rental”) foi celebrado com a CGU em agosto de 2020. A Car Rental confirmou, por meio de investigação interna, que havia feito pagamentos ilícitos a agentes públicos em 2010 e, posteriormente, realizou autodenúncia e procurou voluntariamente a CGU em 2016. O acordo de leniência da Car Rental prevê o pagamento de multa – na forma da Lei de Improbidade Administrativa – e ressarcimento integral do dano causado, no valor total de R$ 760.000,00. A companhia Hertz France S.A.S, antiga controladora da Car Rental à época dos fatos, e as companhias Localiza Fleet S.A. e Localiza Rent A Car S.A., que adquiriam as operações da Car Rental em 2017, também figuram como signatárias do acordo de leniência, mas na condição de intervenientes. O acordo de leniência reconheceu os esforços do Grupo Localiza em aprimorar o programa de compliance da Car Rental e determinou a sujeição do programa ao monitoramento da CGU pelo período de 18 meses. O acordo de leniência da Car Rental foi o único celebrado pela CGU em 2020.

O MPF, por sua vez, celebrou acordo de leniência com empresas pertencentes ao Grupo J. Malucelli, quais sejam a Cia Paranaense de Construção S/A, MLR Locações de Máquinas S/A e Televisão Icaraí Ltda., em razão de atos ilícitos relacionados à Operação Lava Jato. As empresas colaboradoras reconheceram o pagamento de propinas para obtenção de vantagens indevidas em licitações e contratos relacionados à concessão e manutenção de rodovias no Estado do Paraná desde 2009. O acordo de leniência prevê o pagamento do montante de R$ 100 milhões a título de multa imposta com fulcro na Lei de Improbidade e reparação de danos. Outrossim, o acordo de leniência prevê obrigações de aprimoramento dos programas de compliance das companhias celebrantes, além de sujeitar as empresas colaboradoras a um regime de monitoramento independente de compliance pelo período de 32 meses.

Ademais, em setembro de 2020, o MPF também celebrou acordo de leniência com a Philips Medical Systems Ltda. (“Philips”) em razão de pagamentos de propina em vendas de equipamentos médicos para o Ministério da Saúde e Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. O acordo de leniência prevê o pagamento do montante de R$59,9 milhões a título de multa e reparação de danos, bem como a obrigação da Philips de implementar diversas medidas para aperfeiçoar o seu programa de compliance e de sujeitar-se a um regime de monitoramento independente de compliance pelo período de 36 meses.

Finalmente, em 2020, o MPF também celebrou acordo de leniência com a Construtora Noberto Odebrecht S.A. – cujo termo encontra-se sob sigilo –, além de outras duas companhias cujos nomes também estão sob sigilo até a data desta publicação.

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