Em agosto de 2025, a Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou a 2ª edição do Relatório de Análise da Dosimetria, que compila e analisa dados sobre as 159 multas aplicadas com base na Lei nº 12.846/13 (“Lei Anticorrupção”) até o final de 2024. As penalidades analisadas foram originadas de Processos Administrativos de Responsabilização (“PAR”), e o relatório oferece uma visão aprofundada sobre como a CGU tem interpretado e aplicado os critérios legais na definição dos valores finais das sanções.
Critérios de dosimetria e a evolução normativa
O Relatório apresentou um panorama detalhado sobre os parâmetros que determinam a dosimetria das sanções na legislação: base de cálculo, limites mínimo e máximo, agravantes e atenuantes. Um dos principais destaques do documento é o reconhecimento do programa de integridade como fator atenuante relevante na dosimetria das multas — ainda que sua aplicação prática permaneça limitada a poucos casos analisados.
Além disso, avaliou o impacto do Decreto nº 11.129/2022, que atualizou critérios de aplicação da multa e reforçou o papel de determinados fatores atenuantes — em particular a adoção de programas de integridade pelas empresas sancionadas.
A análise de dados dos dados revela que, na maioria dos casos, o valor final da multa não é determinado pelos limites mínimo e máximo legais aplicáveis, mas sim pela aplicação específica dos critérios de dosimetria.
Agravantes e atenuantes: uma análise das decisões da CGU
Entre os fatores agravantes mais recorrentes no cálculo da multa, destacaram-se os seguintes:
- Tolerância da alta gestão, que foi observada pela CGU em cerca de 86% dos casos e que teve alíquota média de 2,5% sobre a base de cálculo(considerando a alíquota máxima de 3%);
- Concurso de atos lesivos, que ocorreu em cerca de 61% dos casos analisados; e
- Interrupção no fornecimento de serviço público, na execução de obra contratada ou na entrega de bens ou serviços essenciais à prestação de serviços públicos ou no caso de descumprimento de requisitos regulatórios, critério que apesar de ter tido uma baixa incidência, representando cerca de 12% dos casos, foi responsável por um agravamento médio de 2,8% da base de cálculo da multa ( considerando a alíquota máxima de 4%).
Por outro lado, dentre os fatores atenuantes recorrentes considerados para o cálculo da multa, destacaram-se os seguintes:
- Inexistência ou falta de comprovação de vantagem auferida e de danos resultantes do ato lesivo, que ocorreu em pouco mais de 52% dos casos analisados;
- Colaboração da pessoa jurídica, seja na fase de apuração ou no fornecimento de informações que contribuíram para o esclarecimento dos fatos, que ocorreu em cerca de 38% dos casos e que atenuou, em média, 1,2% da base de cálculo da multa, considerando a alíquota de máxima de 1,5%; e
- Admissão voluntária pela pessoa jurídica, que ocorreu em cerca de 27% dos casos analisados.
O programa de integridade como atenuante
O Relatório trouxe como ponto de destaque o impacto efetivo dos programas de integridade como fator atenuante na dosimetria da multa aplicável. De acordo com a Lei Anticorrupção, esse fator pode reduzir em até 5% a base de cálculo da multa.
Apesar da importância conferida pela legislação, o Relatório aponta que apenas cerca de 11% das multas analisadas foram atenuadas em razão da existência de programas de integridade. Isso indica que poucas empresas sancionadas conseguiram comprovar a efetiva implementação de seus programas, de modo a atender aos critérios exigidos pela CGU.
Adicionalmente, em relação ao percentual de redução aplicável aos casos sob análise, foi verificado que, dentro da variação possível de 1 a 4% nos casos regidos pelo Decreto nº 8.420/2015 e de 1 a 5% nos casos regidos pelo Decreto nº 11.129/2022, mesmo nos casos em que houve reconhecimento, a alíquota média aplicada foi de 1,7% nos processos regidos pelo Decreto nº 8.420/2015 e 2,2% nos casos sob o Decreto nº 11.129/2022 — ambos abaixo da metade do potencial de redução permitido. Essa média reduzida reforça a conclusão do Relatório de que há um espaço considerável para o aprimoramento dos programas de integridade apresentados pelas empresas.
O Relatório detalhou, ainda, um estudo feito acerca do impacto da adoção de programas de integridade na redução efetiva das multas à luz do seu peso em comparação às demais atenuantes utilizadas nos casos sob análise. Assim, o estudo também revelou que, nos casos em que o programa de integridade foi aceito como atenuante, a redução efetiva no valor final da multa foi significativa, alcançando uma média de 39%. Ou seja, embora ainda pouco utilizado, trata-se de um fator com alto impacto potencial, quando adequadamente estruturado e comprovado.
O Relatório apresenta um cenário desafiador ao demonstrar que há uma margem relevante de aprimoramento dos programas de integridade existentes. De um lado, evidencia a dificuldade das empresas em atender plenamente aos critérios exigidos pela CGU para o reconhecimento de programas de integridade como efetivos. De outro, reforça o papel da integridade corporativa como elemento estratégico não apenas de prevenção, mas também de mitigação de riscos em processos de responsabilização.
Não obstante, o reconhecimento do programa de integridade como um fator atenuante de grande relevância reforça a lógica de incentivo regulatório, que consiste na ideia de que as empresas que investem em mecanismos de prevenção e controle recebem, mesmo em situações de necessária responsabilização, uma resposta diferenciada do Estado pelos esforços envidados. Essa abordagem baseada em incentivos evidencia a importância de transformar programas formais em estruturas efetivas, com governança ativa, cultura ética e mecanismos de controle realmente aplicáveis à operação da empresa. Caso deseje compreender mais profundamente os critérios adotados pela CGU ou avaliar o grau de maturidade do seu programa de integridade frente aos padrões exigidos, entre em contato.
