A aplicação da lei anticorrupção por meio de acordos com pessoas jurídicas no Brasil diminuiu em 2023 e 2024, após um ano de intensa atividade em 2022. Com base em informações publicamente disponíveis, de janeiro a dezembro de 2024, a Controladoria-Geral da União (“CGU”) e a Advocacia-Geral da União (“AGU”) celebraram três acordos de leniência, enquanto o Ministério Público Federal (“MPF”) firmou um acordo de leniência em 2024, que permanece sob sigilo.

A redução no número de acordos celebrados com as autoridades brasileiras estar relacionado a mudanças nas prioridades de fiscalização. No entanto, também pode refletir uma redução comum durante os primeiros anos de um novo governo, devido a mudanças nos cargos de indicação política. Cumpre ressaltar que um número considerável de acordos foi firmado nos últimos dias de 2022 – período final do governo anterior – o que possivelmente reduziu o acúmulo de casos que estavam em estágio avançado. Dessa forma, é possível que nos próximos dois anos, que serão os anos finais do mandato presidencial atual, o número de acordos celebrados aumente, considerando que, segundo o site da CGU, existem 21 acordos em negociação.

Acordos de Leniência firmados em 2024

Segundo informações disponíveis no site da CGU, durante o ano de 2024, a CGU e AGU celebraram três acordos de leniência e receberam outras seis propostas de negociação de acordos. Deste total, duas propostas permanecem sob análise em fase de admissibilidade, uma encontra-se em negociação e outras três foram rejeitadas.

As informações sobre os três acordos de leniência celebrados em 2024 estão resumidas abaixo:

Viken Shuttle AS, Viken Fleet I AS e Viken Shipping AS

Em 13 de junho de 2024, as empresas norueguesas Viken Shuttle AS, Viken Fleet I AS e Viken Shipping AS (coletivamente referidas como “Viken”) celebraram um acordo de leniência com a CGU e a AGU devido à prática de atos ilícitos previstos na Lei de Improbidade Administrativa. As negociações foram conduzidas em coordenação com o MPF.

Em 2019, a CGU deu início à investigação contra as empresas, com o objetivo de apurar possíveis práticas irregulares relacionadas a uma licitação da Transpetro International BV (“TI BV”). Posteriormente, em 2020, as empresas iniciaram as negociações com a CGU e a AGU e colaboraram com as informações obtidas no âmbito de investigações internas.

De acordo com informações públicas, as empresas estiveram envolvidas no pagamento de uma comissão de corretagem que foi utilizada por terceiros para financiar o pagamento de vantagem indevida a um agente público, no contexto da execução de contratos com a TI BV, com sede na Holanda. As empresas declararam que seus representantes não tinham conhecimento prévio e não autorizaram ou instruíram os terceiros a realizar pagamentos ilícitos, mas admitiram responsabilidade objetiva pelo fato.

As empresas acordaram o pagamento do valor de R$ 153.184.045,95 (cerca de US$ 27 milhões), que inclui o pagamento de vantagens indevidas, danos estimados e a multa prevista na Lei de Improbidade Administrativa. Além disso, as empresas concordaram em melhorar seus programas de integridade, com a previsão de monitoramento pela CGU.

MicroStrategy Brasil Ltda.

Em 4 de julho de 2024, a MicroStrategy Brasil Ltda. (“MicroStrategy”) celebrou um acordo de leniência com a CGU e a AGU com relação à prática de atos ilícitos previstos na Lei 12.846/13 (“Lei Anticorrupção”) entre 2014 e 2018, envolvendo fraudes em licitações e contratos de tecnologia da informação celebrados pelo Ministério do Trabalho.

A empresa acordou o pagamento do valor de R$ 6.157.183,65 (aproximadamente US$ 1.1 milhão). Da quantia total, R$ 4.179.984,59 (aproximadamente US$ 750 mil) correspondem à restituição dos lucros e o valor restante corresponde à multa estabelecida na Lei Anticorrupção. Além disso, a MicroStrategy assumiu o compromisso de aperfeiçoar seu programa de integridade, com a previsão de monitoramento pela CGU.

Freepoint Commodities LLC

Em 14 de novembro de 2024, a CGU e a AGU assinaram um acordo de leniência com a empresa norte-americana Freepoint Commodities LLC (“Freepoint”) em decorrência do pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos por meio de intermediários entre 2012 e 2018, com o objetivo de adquirir informações privilegiadas em negociações envolvendo a compra e venda de petróleo e seus derivados com a Petrobras.

O acordo de leniência foi resultado de esforços conjuntos entre autoridades brasileiras e norte-americanas, que também celebraram acordos separados com a Freepoint. O acordo de leniência firmado com as autoridades brasileiras prevê que a Freepoint pagará mais de R$ 130 milhões em multas administrativas e indenizações pelos danos causados ao Tesouro.

Acordo de Leniência sob sigilo

Segundo dados disponíveis no site do MPF, em 2024, o MPF celebrou um acordo de leniência. No entanto, o nome da empresa e o conteúdo do acordo de leniência permanecem sob sigilo. Segundo o MPF, a empresa colaboradora concordou em pagar o valor de R$ 207.891.426,75 milhões (aproximadamente US$ 37 milhões) em multas e restituições.

Visão geral das ações de enforcement

Após 10 anos de aplicação bem-sucedida da Lei Anticorrupção e com 30 acordos de leniência celebrados pela CGU entre 2017 e 2024, totalizando R$ 18.8 bilhões (aproximadamente US$ 3.1 bilhões) em valores a serem restituídos, a CGU alcançou um marco histórico ao instaurar, em 2024, 76 Processos Administrativos de Responsabilização (“PAR“) em face de pessoas jurídicas, visando apurar possíveis atos lesivos contra a Administração Pública. Este número superou o recorde anterior de 73 processos iniciados em 2020, consolidando um novo parâmetro no combate à corrupção e no fortalecimento da governança pública e da integridade privada no Brasil.

Além das sanções administrativas, em agosto de 2024, a CGU introduziu uma nova modalidade de acordo no âmbito da Lei Anticorrupção, o Termo de Compromisso, que oferece uma alternativa de acordo com a Administração Pública para empresas que não atendem aos requisitos necessários para celebrar um acordo de leniência, mas desejam resolver seus casos sem litígio. Enquanto os acordos de leniência permanecem como a opção mais favorável sob a Lei Anticorrupção (com redução de até dois terços das penalidades), o Termo de Compromisso oferece reduções de sanções em até 4,5% do faturamento bruto das empresas (o que pode representar um percentual significativo das sanções), e a mitigação das sanções de impedimento de contratar com a administração pública.

Embora nem sempre necessário, dependendo da análise do caso específico, a CGU pode determinar que para a celebração de um Termo de Compromisso a empresa deva adotar ou aprimorar seu programa de integridade. Além disso, uma iniciativa importante relacionada às regras aplicáveis ao Termo de Compromisso, é a necessidade de comunicação da CGU com a AGU e o MPF, que ocorrerá sempre que um novo Termo de Compromisso for celebrado. O propósito desta medida é incentivar a cooperação entre os órgãos, para assegurar que as condutas irregulares investigadas por mais de um órgão sejam resolvidas de forma coordenada, evitando que as empresas sejam sancionadas por conduta que já tenha sido tratada no âmbito do Termo de Compromisso.

Além disso, em 2023, alguns partidos políticos brasileiros ajuizaram com uma ação (“Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental N. 1.051” ou “ADPF 1.051”) solicitando a suspensão dos pagamentos de diversos acordos de leniência celebrados no âmbito da Operação Lava Jato. Os argumentos do pedido de suspensão apontaram que os valores das multas eram excessivamente elevados, o que comprometeria a manutenção das atividades das empresas signatárias, e que o MPF teria agido de forma indevida nas negociações desses acordos. Considerando que alguns dos acordos de leniência celebrados preveem o pagamento de valores em parcelas durante um longo período de anos, a solicitação beneficiaria diversas empresas que tinham valores pendentes e que não possuíam obrigações perante autoridades em outras jurisdições.

Em decorrência da ADPF 1.051, a AGU e a CGU coordenaram a renegociação de sete acordos de leniência celebrados com as seguintes empresas: (i) UTC Participações S.A.; (ii) Braskem S.A.; (iii) OEA; (iv) Camargo Corrêa; (v) Andrade Gutiérrez; (vi) Nova Participações S.A.; e (vii) Odebrecht. Em setembro de 2024, a AGU e a CGU apresentaram ao Supremo Tribunal Federal a proposta final de acordo sobre a reestruturação dos acordos de leniência, que aguarda análise pelo órgão. As principais diretrizes consideradas nas negociações foram a manutenção da atividade econômica, com a preservação e criação de oportunidades de empregos no setor da construção civil, a preservação da agenda de integridade pública, com a salvaguarda dos acordos de leniência em vigor, e o fortalecimento do mecanismo consensual para resolução de conflitos judiciais. Se homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, as propostas de renegociação darão origem a aditivos aos acordos de leniência previamente assinados.

Em outubro de 2024, a CGU atualizou o Guia “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas”, publicado pela primeira vez em setembro de 2015. O objetivo deste Guia é fornecer instruções claras às empresas sobre como devem implementar ou melhorar seus programas de integridade, considerando os requisitos previstos na legislação aplicável, as melhores práticas de mercado e a necessidade de adequação do Guia ao contexto corporativo, visto que sua primeira versão foi divulgada em 2015.

Entre as novas disposições previstas no Guia, destaca-se a ampliação do que a CGU define como integridade corporativa, que passa a contemplar questões relacionadas às boas práticas ambientais, sociais e de governança, não se restringindo apenas ao combate à corrupção. Tal abordagem está em linha com as alterações que o Decreto nº 11.129/2022 já havia introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, ao estabelecer como objetivos de um programa de integridade a promoção e manutenção de uma cultura de integridade no ambiente organizacional. Esta perspectiva transcende a simples adoção de medidas anticorrupção, enfatizando o papel fundamental do desenvolvimento de valores compartilhados em toda a organização.

De acordo com a CGU, esses valores são fundamentais para garantir que a credibilidade e a reputação da empresa sejam preservadas e devem contemplar um compromisso com a atuação responsável, engajada com o desenvolvimento econômico e social sustentável, justo e democrático, que abrange, entre outros aspectos, medidas preventivas contra assédio no ambiente de trabalho, respeito aos direitos humanos e preservação ambiental.

em inglês