Em outubro de 2024, a Controladoria-Geral da União (CGU) publicou o volume II do guia “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas”. O novo guia complementou as diretrizes da CGU para a implementação, aplicação e aperfeiçoamento de Programas de Integridade pelas empresas privadas publicadas pela CGU em 2015.
O volume I do guia “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas”, lançado em novembro de 2015, é considerado referência para empresas brasileiras implementarem e aperfeiçoarem Programas de Integridade, bem como para órgãos e entidades públicos avaliarem Programas de Integridade com base na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013). O Volume I do Guia, publicado em 2015, tinha como foco principal a prevenção, detecção e remediação de atos lesivos praticados contra a administração pública, tais como a corrupção, fraudes praticadas no âmbito de licitações e execução de contratos administrativos e outros ilícitos nas interações com o setor público.
Contudo, após a publicação do Volume I, o cenário de compliance nacional e global passou por transformações significativas. Em especial, a necessidade de implementação de boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) pelas empresas privadas foi consolidada pelo mercado, academia e sociedade em geral, de maneira a expandir o escopo dos Programas de Integridade para além da prevenção da corrupção e outros ilícitos nas interações com a administração pública.
Em resposta a essas mudanças, o Decreto nº 11.129 de 2022, que estabeleceu uma nova regulamentação à Lei Anticorrupção e revogou o antigo decreto regulamentador (Decreto nº 8.420/2015), acresentou um novo objetivo para o Programa de Integridade: “fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional”. No entedimento da CGU, o objetivo de fomentar uma cultura de integridade no ambiente organizacional trouxe uma abordagem mais ampla para o Programa de Integridade, de maneira que as empresas são recomendadas a adotar, além de medidas anticorrupção e antifraude, boas práticas ESG para promover a ética, boa governança e sustentabilidade no ambiente organizacional.
Nesse sentido, as novas diretrizes da CGU passaram a recomendar que as empresas privadas adotem práticas destinadas à promoção dos direitos humanos e sociais e à preservação do meio ambiente, bem como medidas de combate ao assédio, discriminação e trabalho infantil e análogo ao escravo, dentre outras boas práticas de governança e sustentabilidade.
Por exemplo, a CGU recomenda que as empresas adotem, no âmbito de seus Programas de Integridade, as seguintes práticas relacionadas a temas ESG, em uma abordagem baseada no risco:
- Implementação de Códigos de Conduta e políticas de integridadeque, de forma expressa, demonstrem o compromisso da empresa com o respeito aos direitos humanos e a preservação do meio ambiente, bem como que proíbam todas as formas de assédio e discriminação e a utilização de trabalho análogo ao escravo e infantil;
- Verificação, durante procedimentos de due diligence de terceiros, de possível envolvimento de terceiros contratados pela empresa em violações de direitos humanos, danos ambientais e utilização de trabalho análogo ao escravo e infantil;
- Inclusão, em contratos celebrados com terceiros, de cláusulas contratuais que estabeleçam a obrigação do teceiro de respeitar os direitos humanos, trabalhistas e sociais, bem como as legislações ambientais;
- Verificação, durante procedimentos de due diligence em fusões e aquisições, de possível envolvimento da empresa-alvo e seus sócios e principais executivos em violações de direitos humanos, danos ambientais e utilização de trabalho análogo ao escravo e infantil;
- Implementação de medidas de comunicação que incentivem o respeito aos direitos humanos, a diversidade e a proteção ao meio ambiente;
- Verificação, durante o processo de seleção de colaboradores para cargos de alta direção, de possível envolvimento do canditado em casos de assédio, violações de direitos humanos e danos ambientais;
- Disponibilização de canais de denúncia que permitam o recebimento de denúncias relacionadas a assédio e violações de direitos humanos;
- Mapeamento dos riscos ambientais nas atividades da empresa.
Como as empresas privadas são impactadas? Para cumprir as novas diretrizes da CGU, as empresas privadas deverão implementar, além das medidas anticorrupção e antifraude, boas práticas de ESG para prevenir, detectar e remediar violações aos direitos humanos e sociais, violações ambientais e práticas de assédio e discriminação. Assim, é recomendável que as empresas privadas que já possuem um Programa de Integridade implementado revisem suas políticas, procedimentos e controles de compliance para verificar se o Programa de Integridade já cumpre as novas diretrizes da CGU relacionadas a práticas ESG ou se mudanças ou ajustes no Programa de Integridade são necessários. Empresas privadas devem dar especial atenção às políticas e procedimentos relacionados à cadeia de suprimentos, considerando o maior risco de seus fornecedores e outros terceiros estarem envolvidos em violações de direitos humanos, violações ambientais e em práticas de assédio e discriminação, o que pode gerar riscos jurídicos e reputacionais para a parte contratante.
Empresas multinacionais também devem estar atentas às novas diretrizes da CGU. Multinacionais com Programas de Compliance implementados com base em diretrizes de autoridades anticorrupção estrangeiras não necessariamente estarão em conformidade com as novas diretrizes da CGU para implementação de Programas de Integridade, considerando a ampliação do escopo das diretrizes da CGU a temas ESG relacionados à proteção dos direitos humanos, preservação ambiental, combate do trabalho escravo e infantil e prevenção do assédio e discriminação. Portanto, empresas multinancionais também são recomendadas a revisar o seu Programa de Integridade para, se necessário, adequar as suas políticas, procedimentos e controles de compliance às novas diretrizes da CGU, em um exercício de tropicalização.
Para mais informações sobre a implementação das novas diretrizes da CGU, entre em contato com Saud Advogados.