No dia 2 de fevereiro de 2024, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”) publicou o Guia Orientativo das Hipóteses Legais de Tratamento de Dados – Legítimo Interesse. O Guia traz definições e parâmetros de interpretação do legítimo interesse de controladores ou de terceiros e, assim, esclarece pontos importantes para a aplicação dessa hipótese legal.
O art. 7º, IX da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709 de 2018) delimita que o tratamento de dados pessoais pode ser realizado quando “necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro, exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais” e é sobre esta previsão que o Guia busca trazer maior orientações. Alguns tópicos do Guia Orientativo das Hipóteses Legais de Tratamento de Dados – Legítimo Interesse merecem destaque e serão elencados a seguir.
- Sobre os dados pessoais sensíveis
O Guia reforçou o já estabelecido pela Lei, de que a hipótese de tratamento de dados por Legítimo Interesse não é aplicável aos dados pessoais sensíveis, que são aqueles que versam sobre “origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.”
- Sobre os dados de crianças e adolescentes
O Guia esclareceu, contudo, que à luz do Enunciado 1/2023 da ANPD, é possível que o legítimo interesse seja uma hipótese para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, desde que observado e prevalecente o seu melhor interesse. Ademais, faz-se necessária a observância dos parâmetros do art. 14 da LGPD, também sobre o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. Mais ainda, o tratamento desses dados não pode apresentar riscos ou impactos desproporcionais e excessivos às crianças ou adolescentes.
- Sobre o legítimo interesse
Entende-se por interesse qualquer benefício resultante do tratamento de dados pessoais. De acordo com a ANPD, para que seja legítimo, o interesse deverá ser compatível com:
- ordenamento jurídico – o tratamento dos dados pessoais não deve ser vedado pela legislação vigente e nem pode, direta ou indiretamente, contrariar disposições legais nem os princípios aplicáveis ao caso;
- lastro em situações concretas – deve ser embasado em situações reais, claras e precisas, que objetivem interesses específicos e bem delineados, ainda que em futuro próximo, o que afasta interesses considerados a partir de situações abstratas ou meramente especulativas;
- vinculação a finalidades legítimas, específicas e explícitas – a finalidade constitui o propósito específico que se pretende alcançar com a realização do tratamento, que deve ser considerado a partir de situações concretas, com o uso de dados pessoais estritamente necessários para a finalidade pretendida.
- Sobre os direitos e liberdades fundamentais
De acordo com o Guia da ANPD, os direitos e liberdades fundamentais do titular de dados pessoais atuam como um limite à liberdade do controlador. Isso significa que o Legítimo Interesse não pode se sobrepor à liberdade e aos direitos fundamentais do titular. Esta análise é feita por meio do Teste de Balanceamento, de forma que os controladores possam avaliar se os impactos causados pelo tratamento são proporcionais e compatíveis com esses direitos e quais salvaguardas devem ser adotadas.
Sob esse viés, o titular é protagonista em relação ao uso de seus dados, devendo ser assegurado que ele tenha o conhecimento e participe ativamente das decisões sobre o tratamento dos seus dados pessoais. Logo, é fundamental garantir a disponibilidade de canais acessíveis relacionados à privacidade e proteção de dados.
- Sobre a legítima expectativa
No que tange ao conceito de legítima expectativa dos titulares, de acordo com a ANPD, significa que o tratamento dos dados pessoais para a finalidade pretendida deve ser, razoavelmente, o esperado pelos titulares naquele contexto. Sua análise e identificação não precisam ser realizadas em relação a um titular em específico, levando em consideração alguns fatores como: (i) existência de uma relação prévia entre o controlador e o titular; (ii) a fonte e o método de coleta dos dados; (iii) o contexto e o período de coleta dos dados; e (iv) a finalidade pretendida da coleta dos dados e sua compatibilidade com o tratamento baseado no legítimo interesse.
Na análise da legítima expectativa, é importante considerar a boa-fé e os princípios da proteção de dados, devendo o titular ter elementos disponibilizados pelo controlador, para avaliar se o tratamento de dados atende às suas legítimas expectativas.
- Sobre a necessidade, transparência e registro de operações
A ANPD delimita que somente dados fundamentais para a realização da operação devem ser tratados, devendo o titular ter acesso facilitado às informações sobre o tratamento dos seus dados. Todas as operações do tratamento de dados baseado no legítimo interesse devem ser devidamente registradas.
- Sobre o teste de balanceamento
Previamente ao tratamento de dados com base no legítimo interesse, a ANPD determina que deve ser realizada uma avaliação de proporcionalidade (teste de balanceamento), que deve ser aplicado para cada finalidade específica e envolve a realização de uma ponderação que leva em consideração a legitimidade do interesse, a necessidade do tratamento, os impactos sobre os direitos dos titulares e suas legítimas expectativas em comparação com os interesses envolvidos. O Guia da ANPD traz em anexo um modelo simplificado de teste de balanceamento, que pode servir de exemplo para que as empresas elaborem os métodos mais adequados às suas atividades.
O Guia também menciona que no caso de tratamento de dados pessoais para a prevenção à fraude e à segurança do titular, utiliza-se a mesma lógica do Legítimo Interesse no que tange a realização de um teste de balanceamento, para avaliar a prevalência dos direitos e liberdades fundamentais do titular.
- Sobre o legítimo interesse e o Poder Público
O Guia reforça que a adoção da base legal do legítimo interesse possui aplicabilidade limitada no âmbito do setor público, pois não deve ser utilizado nos casos em que o tratamento de dados pessoais for realizado de forma compulsória ou quando necessário para o cumprimento de obrigações ou atribuições legais do Poder Público. Faz-se necessária a análise excepcional da situação concreta e, no caso de ser a melhor base legal no caso concreto, a sua utilização pelo Poder Público deverá seguir as mesmas regras de transparência e respeito aos direitos fundamentais dos titulares que são atribuídas aos demais controladores de dados.
Para outras informações, entre em contato com o time do Saud Advogados.