Em 2017, as empreiteiras UTC Engenharia S.A., Constran S.A. – Construções e Comércio e UTC Participações S.A, pertencentes ao mesmo grupo econômico, firmaram acordo de leniência com a Advocacia Geral da União (AGU) e a Controladoria Geral da União (CGU) após envolvimento no escândalo de corrupção da Petrobras investigado pela Operação Lava Jato. Em troca da colaboração com as autoridades, o grupo UTC obteve uma série de vantagens, como a redução das penalidades aplicáveis e a possibilidade de continuar contratando com o poder público. No acordo, as empresas do grupo UTC reconheceram sua participação no esquema de corrupção e se comprometeram a pagar R$ 574 milhões em multas e ressarcimentos ao poder público, além de adotar medidas internas de prevenção à ocorrência de novos delitos.
No entanto, em 21 de novembro de 2022, após a inadimplência das parcelas financeiras objeto do acordo de leniência ter sido apurada pelo Processo Administrativo n° 00190.106496/2019-52, a CGU e a AGU decidiram rescindir o acordo de leniência com as empresas do grupo UTC, todas em situação de recuperação judicial.
Como consequência, foi determinada a perda total dos benefícios estabelecidos no acordo de leniência, ocasionando os seguintes reflexos para o grupo UTC: (i) o vencimento e a execução antecipada da dívida decorrente do acordo de leniência firmado, abatendo-se os valores já pagos; (ii) a execução do valor total das multas previstas na Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), sem a incidência das reduções pactuadas; (iii) a necessidade de pagamento integral do lucro estimado, acrescidos do valor referente às propinas pagas; (iv) a incidência e execução do valor da multa prevista no art. 12 da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), correspondente a uma vez e meia (1,5) o valor total referente aos lucros estimados e propinas; (v) a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; (vi) a inclusão imediata no Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, com a descrição detalhada do respectivo descumprimento; (vii) a impossibilidade de celebrarem nova conciliação, pelo prazo de três anos e; (viii) a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública.
Segundo cálculos da CGU, considerando multas pelo descumprimento com juros, o valor global da rescisão custará ao grupo o montante aproximado de R$ 2,5 bilhões. Com o objetivo de reverter tal situação, a UTC entrou com um Pedido Administrativo de Reconsideração com efeito suspensivo. Em 7 de dezembro de 2022, após deliberação da CGU e AGU, a decisão da rescisão do acordo de leniência do grupo UTC teve seus efeitos suspensos até julgamento do mérito do recurso.
A rescisão do acordo de leniência das empresas do grupo UTC reacende uma discussão levantada há cerca de dois anos por outras empreiteiras que firmaram acordos de leniência com a AGU, CGU e Ministério Público Federal (MPF) na Operação Lava Jato: a revisão e renegociação de tais instrumentos. Um dos argumentos que embasam tal movimento é que os pagamentos deveriam acompanhar a capacidade de pagamento das empresas, a qual teria sido drasticamente afetada desde 2014, início da Operação Lava Jato, em razão da redução da demanda com as crises de 2015, 2016 e de 2020 e com a queda no volume de investimento em obras públicas no país. Como exemplo, recentemente a J&F, holding detentora do frigorífico JBS, entrou com pedido na Justiça para rever o acordo de leniência firmado em 2017 com o Ministério Público Federal no qual se comprometeu a pagar uma multa de R$ 10,3 bilhões ao longo de 25 anos, alegando ilegalidades no cálculo da multa. Até o momento, cerca de apenas R$ 2 bilhões foram pagos.
O recente Decreto nº 11.129, de julho de 2022, que alterou a regulamentação da Lei Anticorrupção, permite, excepcionalmente, revisões de acordos de leniência, desde que presentes os seguintes requisitos, conforme disposto em seu artigo 54: (i) a manutenção dos resultados e requisitos originais que fundamentaram o acordo de leniência; (ii) maior vantagem para a administração pública, de maneira que sejam alcançadas melhores consequências para o interesse público do que a declaração de descumprimento e a rescisão do acordo; (iii) imprevisão da circunstância que dá causa ao pedido de modificação ou à impossibilidade de cumprimento das condições originalmente pactuadas; (iv) boa-fé da pessoa jurídica colaboradora em comunicar a impossibilidade do cumprimento de uma obrigação antes do vencimento do prazo para seu adimplemento; e (v) higidez das garantias apresentadas no acordo. Ademais, a análise do pedido considerará o grau de adimplência da pessoa jurídica com as demais condições pactuadas, inclusive as de adoção ou de aperfeiçoamento do programa de integridade.
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