Em junho de 2022, a Controladoria-Geral da União (CGU) lançou seu Manual de Tratamento de Conflito de Interesses cujo objetivo é auxiliar as equipes dos órgãos e entidades do Poder Executivo federal a realizar a análise de riscos de conflito de interesses no âmbito de consultas ou pedidos de autorização para exercício de atividade privada relacionados a dúvidas de agentes públicos durante o exercício de cargo ou emprego no Poder Executivo federal. Não obstante, o Manual de Tratamento de Conflito de Interesses traz para os agentes privados importantes diretrizes e detalhamentos acerca da configuração de conflito de interesses, expressos nos incisos do art. 5º da Lei nº 12.813/2013, servindo de guia para as empresas privadas na elaboração de suas políticas de conflito de interesses com a administração pública brasileira.

Inicialmente, o Manual da CGU esclarece que as situações configuradoras de conflito de interesses aplicam-se aos agentes públicos mesmo que estejam em gozo de licença ou em período de afastamento. No tocante à configuração de conflito de interesses em razão da divulgação ou do uso de informação privilegiada (art. 5º, inciso I da Lei nº 12.813/2013), o fato de a informação ter sido obtida pelo servidor em razão do exercício de suas atribuições públicas não caracteriza, por si só, uma informação como privilegiada. Ademais, ainda que as atribuições do cargo ou emprego público ocupado pelo agente possibilitem o acesso a informações privilegiadas, é necessário averiguar se o servidor em questão tem, efetivamente, acesso a tais informações no exercício de suas atividades, bem como se tais informações poderiam, na prática, ser utilizadas pelo interessado, em benefício próprio ou de terceiros, em sua atividade privada.  Caso a resposta a tais questionamentos seja afirmativa, o Manual da CGU aponta como medida de mitigação possível, a segregação da utilização dessas informações do exercício da atividade privada em questão.

Quanto à situação de conflito de interesses que decorre da prestação de serviços ou manutenção de relação de negócio com pessoa que tenha interesse em decisão do agente público (art. 5º, inciso II da Lei nº 12.813/2013), para que haja enquadramento de conduta é preciso, preliminarmente, que se identifique uma relação negocial ou uma prestação de serviço por um agente público a um terceiro do setor privado, não pressupondo, no entanto, que esta seja remunerada. Em seguida, averígua-se se o agente público, efetivamente, exerce qualquer influência (domínio ou contribuição) em processo de decisão que possa ser de interesse da pessoa contratante, sendo fundamental qualificar se sua participação é determinante e/ou relevante para os rumos desse processo, se ela ocorre de forma individual ou colegiada, considerando também se sua atuação está sujeita a instâncias de revisão ou aprovação superiores. Ademais, apura-se se o poder decisório em questão é discricionário ou se é vinculado a normas e procedimentos específicos e se o agente público poderia abster-se de participar do processo decisório que pode beneficiar sua contraparte privada, ou se, ao tomar tal atitude, o desempenho de sua função pública ou os interesses de seu órgão ou entidade poderiam ser colocados em xeque.

Em relação  ao risco de conflito de interesses previsto no inciso III do art. 5º da Lei nº 12.813/2013 relacionado ao exercício de atividade privada que seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego público, a incompatibilidade deriva não somente da própria natureza da atividade privada a ser exercida, a qual, confrontada com as atribuições e competências decorrentes do exercício do cargo ou emprego público, normalmente gera um risco de conflito de interesses insanável, mas também da correlação entre a atividade privada que o agente público pretende desenvolver e a área de atuação do seu empregador público, quando essa correlação puder comprometer o interesse coletivo ou o desempenho da função pública. Nesse caso, como a incompatibilidade advém da própria natureza da atividade, e não das circunstâncias de seu exercício, dificilmente comporta mitigação.

Quanto a situação de conflito de interesses que envolve  a atuação de agente público como representante de interesses privados junto a qualquer órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta (art. 5º, inciso IV da Lei nº 12.813/2013),  a CGU aponta que o conflito só poderá se concretizar naqueles órgãos e entidades junto aos quais o agente público tenha algum tipo de influência em virtude de sua condição funcional (posição), proibindo-se então condutas que evidenciem favorecimentos em razão de prestígio, respeito ou especial relacionamento com colegas de trabalho, com o fim de resguardar a impessoalidade e moralidade em toda a Administração Pública.

Sobre os riscos de conflito de interesses presentes na prática de ato que beneficie pessoa jurídica da qual participe o próprio agente público ou seu cônjuge, companheiro ou parente (art. 5º, inciso V da Lei nº 12.813/2013),  o Manual da CGU alerta que não há necessariamente conflito de interesses se o ato beneficiar indiscriminadamente um amplo universo de pessoas jurídicas que se encontrem na mesma situação, incluindo empresa de que participe o agente público ou parente seu. Desse modo, deve haver interferência deliberada do agente público em ato de gestão, de forma a beneficiar determinada pessoa jurídica de que ele mesmo ou algum parente próximo seu participe. Entende-se que há “participação na pessoa jurídica” quando o agente público ou seu parente seja dono (acionista, sócio quotista) ou atue na gestão (administrador) da pessoa jurídica. Tal risco de conflito de interesses pode ser mitigado caso a participação do agente público no processo decisório em questão esteja vinculada a normas e procedimentos específicos pré-definidos, esteja submetida a instâncias de revisão e/ou controle e aprovação ou caso o agente público possa se abster de participar de processos decisórios do interesse da pessoa jurídica em questão sem prejudicar o desempenho de sua função pública ou interesses de seu órgão ou entidade.

Acerca do conflito de interesses relacionado ao recebimento de presentes de quem tenha interesse em decisão (art. 5º, inciso VI da Lei 12.813/13), a CGU tece algumas observações importantes. Regulamentado pelo Decreto nº 10.889, de 9 de dezembro de 2021, para que seja caracterizada tal situação de conflito de interesses, é necessário que o agente público federal receba um presente cujo doador é uma pessoa que tenha interesses em decisão sua ou de órgão colegiado no qual ele ocupe cargo. Contudo, tal vedação não se aplica ao recebimento de brindes, os quais se caracterizam como itens de baixo valor econômico – aqueles cujo valor estimado seja inferior a R$ 392,93 (montante atualmente equivalente a um porcento do teto remuneratório previsto no inciso XI do caput do art. 37 da Constituição Federal) – que sejam distribuídos de forma generalizada a várias pessoas e não somente ao agente público, como cortesia, propaganda ou divulgação habitual. Resta mantida a proibição a todo servidor público do Poder Executivo federal em relação ao recebimento de propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições, dado o exposto no inciso XII do art. 117 da Lei nº 8.112/1990. Dessa forma, independentemente de o doador ter interesse em decisão do servidor, se o presente foi ofertado em razão das atribuições do cargo público, sua aceitação é vedada pelo normativo em questão. O Manual da CGU ressalta, no entanto, que muito embora essa vedação seja suficiente para se negar ao servidor o aceite do presente, não deve ser utilizada para a configuração de uma situação de conflito de interesses, nos termos da Lei nº 12.813/2013, tratando-se de um impedimento de outra ordem.

Por fim, em relação as situações  de conflito de interesses envolvendo a prestação de serviços a empresa controlada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual o agente público está vinculado (art. 5º, inciso VII da Lei nº 12.813/2013), a CGU esclarece que a vedação é restrita apenas às situações que envolvam prestação de serviços a empresas, não se aplicando a prestação de serviços direcionadas a outros entes tais como ONGs, associações e fundações privadas, salvo se tais entidades representarem os interesses de empresas controladas, fiscalizadas ou reguladas, já que nesse caso o agente público prestaria serviços indiretamente a essas empresas.

O Manual da CGU traz ainda sugestões de perguntas básicas a serem respondidas para relacionar o caso concreto à cada uma das situações de conflito de interesses descritas no art. 5º da Lei nº 12.813/2013, indicando assim, a depender da resposta, as hipóteses que ensejam a existência de conflitos de interesses relevantes, bem como a possibilidade de mitigação desses riscos, caso existentes. Dessa maneira, o Manual de Tratamento de Conflito de Interesses da CGU traz diretrizes da CGU aos agentes privados para atualização e implementação de políticas internas de compliance sobre como identificar, prever e tratar situações em que há a possibilidade de conflito de interesses envolvendo agentes públicos.

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