O instituto do Acordo de Leniência tem sido amplamente adotado pelas autoridades brasileiras e pessoas jurídicas em casos de práticas de corrupção ou outros atos lesivos contra a administração pública tipificados na Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção). O Acordo de Leniência possui o objetivo de incrementar a capacidade investigativa da administração pública, potencializar a capacidade estatal de recuperação de ativos, reparar os danos causados ao erário e fomentar a cultura de integridade no setor privado.
De acordo com informações do Ministério Público Federal (MPF), desde a entrada em vigor da Lei Anticorrupção em janeiro de 2014, o MPF celebrou 49 (quarenta e nove) Acordos de Leniência, gerando uma restituição à União de R$ 25.261.518.215,19. Em 2022, o MPF celebrou 4 (quatro) acordos de leniência, que resultaram na restituição de R$ 744.682.417,35 às entidades lesadas e cofres públicos.
Por sua vez, conforme balanço divulgado pela Controladoria-Geral da União (CGU), a CGU e a Advocacia-Geral da União (AGU) já celebraram 22 (vinte e dois) Acordos de Leniência e 28 (vinte e oito) negociações se encontram atualmente em andamento. Os acordos celebrados com a CGU e a AGU estabelecem o pagamento de mais de R$ 15 bilhões a título de multa e ressarcimento de danos, dos quais R$ 6,29 bilhões já foram pagos ao Tesouro Nacional ou às entidades públicas lesadas. No ano de 2022, 5 (cinco) novos Acordos de Leniência foram celebrados pela CGU e AGU, totalizando o valor de R$ 1.216.464.609,50 em multas e ressarcimento de danos.
Em 2022, o MPF, a CGU e a AGU celebraram Acordos de Leniência, com fulcro na Lei Anticorrupção e na Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), com empresas de distintos setores: (i) Glencore (apenas MPF); (ii) Hypera (entre CGU e AGU); (iii) Stericycle (entre CGU e AGU); (iv) Gol Linhas Aéreas (entre CGU e AGU); (v) UOP LLC (entre CGU, AGU e MPF); e (vi) Keppel Offshore & Marine (entre CGU e AGU). Dois Acordos de Leniência celebrados pelo MPF em 2022 estão atualmente sob sigilo. Ademais, em 2022, a Eletrobras aderiu ao Acordo de Leniência da Andrade Gutierrez firmado com a CGU e AGU em dezembro de 2018.
Grupo Stericycle
Em 20 de abril de 2022, a CGU e AGU anunciaram a celebração de Acordo de Leniência no valor de R$ 109.698.073,80 com empresas do grupo norte-americano Stericycle, especializado na coleta de lixo hospitalar, em razão de ilícitos tipificados na Lei Anticorrupção e na Lei de Improbidade Administrativa, ocorridos em 2017, no âmbito de contratos de coleta de lixo hospitalar firmados com instituições que integram o Sistema Único de Saúde (SUS). Simultaneamente, a Stericycle firmou um Deferred Prosecution Agreement (DPA) no valor de US$ 52,5 milhões com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) em razão da violação das disposições antissuborno e das disposições contábeis do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA). Ademais, a Stericycle se comprometeu a pagar aproximadamente US$ 28 milhões para encerrar uma investigação paralela conduzida pela U.S. Securities and Exchange Commission (SEC).
Glencore
Em 24 de maio de 2022, a trading company Glencore celebrou Acordo de Leniência com o MPF no âmbito da Operação Lava Jato e firmou Plea Agreements com o DOJ e a US Commodity Futures Trading Commission (CFTC) para encerrar investigações de corrupção e manipulação de mercado no âmbito das operações comerciais da Glencore em múltiplos países. Ademais, a Glencore se declarou culpada das acusações de corrupção apresentadas pela agência anticorrupção britânica Serious Fraud Office (SFO). O valor total dos acordos com autoridades no Brasil, Estados Unidos e Reino Unido é de US$ 1,5 bilhão. No âmbito do Acordo de Leniência firmado com o MPF, a Glencore se comprometeu a pagar cerca de US$ 39,6 milhões diretamente à Petrobras. No âmbito do Plea Agreement firmado com o DOJ, a Glencore se comprometeu a pagar aproximadamente US$ 700 milhões, uma das dez maiores sanções pecuniárias já aplicadas com base no FCPA. No âmbito do Plea Agreement firmado com a CFTC, a Glencore concordou em pagar aproximadamente US$ 485,6 milhões para encerrar as investigações de manipulação de mercado.
Hypera S.A
Em 31 de maio de 2022, a CGU e AGU celebraram Acordo de Leniência com a Hypera S.A., em razão de ilícitos praticados no âmbito da Operação Tira-Teima, conduzida pelo MPF. O acordo se refere a pagamentos indevidos feitos pela companhia, identificados após apuração interna. O Acordo de Leniência estabelece que a Hypera deve pagar à União o valor total de R$ 110.882.122,19 relativos a ilícitos tipificados na Lei Anticorrupção e na Lei de Improbidade Administrativa. Segundo informado pela Hypera, os valores serão pagos integralmente por seu acionista majoritário, o Sr. João Alves de Queiroz Filho.
Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A
Outro destaque foi a resolução global firmada pela Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A com a CGU, a AGU, o DOJ e a SEC em 15 de setembro de 2022. A GOL admitiu que pagou propinas no valor de US$ 3.8 milhões para agentes públicos no Brasil em 2012 e 2013, com o objetivo de garantir a promulgação de duas leis favoráveis à companhia, que tratavam de reduções de impostos sobre folha de pagamento e sobre preço do combustível. No âmbito do DPA firmado com autoridades dos Estados Unidos, a GOL se obrigou a pagar cerca de US$ 41,5 milhões, sendo US$ 17 milhões ao DOJ e US$ 24,5 milhões à SEC. A GOL também deverá reportar ao DOJ, por três anos, as medidas adotadas para aperfeiçoar o seu programa de integridade, embora um monitor independente não tenha sido imposto. Ademais, no âmbito do Acordo de Leniência firmado com a CGU e AGU, a GOL se obrigou a pagar US$ 3,4 milhões em razão de violações à Lei Anticorrupção e à Lei de Improbidade Administrativa.
Keppel Offshore Marine
Em 19 de dezembro de 2022, a Keppel Offshore Marine celebrou Acordo de Leniência com a CGU e AGU, em razão de pagamentos de vantagens indevidas a agentes públicos, entre os anos de 2001 e 2014, realizados por meio de um ex-consultor da Keppel no Brasil no âmbito de contratos da Petrobras. O Acordo de Leniência celebrado com a CGU e AGU faz parte da resolução global firmada pela Keppel com o MPF e autoridades anticorrupção dos Estados Unidos e Singapura em 2017. Neste caso, a resolução global não foi simultânea, mas em 2 (dois) estágios. O valor total da resolução global é de R$ 1.223.657.710,19, dos quais R$ 880.086.254,93 já foram pagos, devendo a Keppel pagar o valor adicional de R$ 343.571.455,25 em razão do recente Acordo de Leniência firmado com a CGU. Além do pagamento dos valores acordados, a Keppel se comprometeu a continuar colaborando com as investigações e a aperfeiçoar o seu programa de integridade.
Honeywell
Também em 19 de dezembro de 2022, a UOP LLC, do grupo Honeywell, firmou uma resolução global com a CGU, AGU, MPF, DOJ e SEC, em razão do pagamento de vantagens indevidas, no valor de aproximadamente US$ 4 milhões, a um executivo da Petrobras para a obtenção de um contrato para a construção de uma refinaria de Petróleo. A UOP LLC, após realizar uma investigação interna iniciada pelo departamento de compliance da empresa, reportou espontaneamente o ilícito às autoridades brasileiras em 2019. No âmbito do Acordo de Leniência, a UOP pagará o valor total de R$ 638.046.365,87, dos quais R$ 456.346.310,83 serão destinados à Petrobras a título de reparação de danos e R$ 181.700.055,04 serão destinados à União a título de multas previstas na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei Anticorrupção. No âmbito das resoluções firmadas com as autoridades americanas, a UOP LLC pagará aproximadamente U$$ 79 milhões ao DOJ e U$$ 81 milhões à SEC, sendo que parte desses valores serão descontados considerando os montantes a serem pagos no Brasil.
Outros Acordos
Em 4 de fevereiro de 2022, a Eletrobras informou ao mercado que havia aderido ao Acordo de Leniência firmado pela CGU e AGU com a Andrade Gutierrez em 18 de dezembro de 2018, para fins de ressarcimento dos prejuízos causados pela Andrade Gutierrez em razão de esquemas de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato. O valor a ser recebido pela Eletrobras é de R$ 139,6 milhões, beneficiando a holding Eletrobras (R$ 9,9 milhões) e as controladas Chesf (R$ 9,9 milhões), Eletronorte (R$ 13,1 milhões), Furnas (R$ 63,1 milhões) e Eletronuclear (R$ 43,7 milhões). O Acordo de Leniência da Andrade Gutierrez prevê a adesão dos entes estatais lesados para se beneficiar dos termos dos acordos.
Em 2022, autoridades anticorrupção dos estados também tiveram participação ativa na celebração de Acordos de Leniência. Destaca-se, por exemplo, que a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE-MP), a Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais (CGE-MG) e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) celebraram Acordos de Leniência com Construtora Coesa, OEC e Novonor.
Em 7 de novembro de 2022, a Construtora Coesa S.A (ex-construtora OAS) celebrou Acordo de Leniência com a CGE-MG, AGE-MP e o MPMG em razão de fraudes na construção da Cidade Administrativa, sede do governo de Meninas Gerais, ocorridas entre 2008 e 2010, e fraudes em obras públicas da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). No âmbito do Acordo de Leniência, a Coesa pagará o valor de R$ 42,7 milhões a título de ressarcimento ao erário e multa prevista na Lei de Improbidade Administrativa. Além do Acordo de Leniência, a Coesa também firmou um Acordo de Não Persecução Cível com o MPMG.
Por fim, em 23 de novembro de 2022, OEC S.A. e Novonor S.A. (antiga Odebrecht S.A.) celebraram Acordo de Leniência com a CGE-MG, a AGE-MG e o MPMG, também em razão de fraudes em licitações para a construção da Cidade Administrativa e fraudes em contratos da Cemig. No âmbito do Acordo de Leniência, a OEC e Novonor pagarão o valor de R$ 202,4 milhões a título de ressarcimento ao erário e multa prevista na Lei de Improbidade Administrativa. Ademais, o MPMG celebrou Acordo de Não Persecução Cível com as empresas, com interveniência da CGE-MG e AGE-MG. Além do pagamento dos valores acordados, as empresas se comprometeram a dar continuidade ao aperfeiçoamento e monitoramento de suas políticas de governança e de compliance.
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Em 2022, a CGU, AGU e MPF tiveram um ano ativo no que se refere à celebração de Acordos de Leniência. Autoridades anticorrupção dos estados também vêm consolidando a sua atuação no âmbito da celebração de Acordos de Leniência com base na Lei Anticorrupção. Diversas negociações para a celebração de Acordos de Leniência estão atualmente em curso e espera-se que outros Acordos de Leniência sejam celebrados nos próximos anos. Ademais, o fortalecimento da cooperação internacional entre autoridades anticorrupção brasileiras e estrangeiras (sobretudo dos Estados Unidos) vem consolidando a tendência da resolução global e simultânea da chamada corrupção transnacional. O cenário de fortalecimento da cooperação interinstitucional no plano interno e da cooperação internacional no plano externo revela que 2023 também deverá ser um ano marcante para a consolidação do instituto do Acordo de Leniência no Brasil.
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