Anualmente, o FCPA Clearinghouse da Universidade de Stanford publica o relatório “FCPA Year in Review”, que fornece uma visão geral das tendências e estatísticas oriundas da aplicação no ano anterior, nos Estados Unidos, da legislação norte americana anticorrupção chamada “Foreign Corrupt Practices Act” (“FCPA”). De acordo com a Retrospectiva 2021, ano que corresponde ao primeiro ano do governo Biden e ao segundo ano da pandemia global, houve uma queda significativa em diversos indicadores relacionados a ações e investigação de FCPA nos Estados Unidos.

Nesse sentido, o relatório aponta, por exemplo, que o número de ações relacionadas à aplicação do FCPA caiu vertiginosamente, atingindo seu nível mais baixo em uma década. Em 2021, ambas as agências reguladoras governamentais americanas, o Securities and Exchange Commission (“SEC”) e o Departamento de Justiça Americano (“DoJ”), ingressaram com um total de 18 ações relacionadas à aplicação do FCPA, número bem abaixo das 39 ações iniciadas em 2020 e da média de 36 ações observadas nos últimos 10 anos. Vale ressaltar que a marca mais alta atingida nos últimos dez anos foi de 58 ações em 2016.

Com a diminuição da atividade de enforcement relacionada ao FCPA, registrou-se também uma queda acentuada no total de sanções corporativas impostas pelas agências reguladoras americanas. Ao todo, foram aproximadamente US$ 360 milhões em sanções impostas em 2021 por ações de enforcement relacionadas ao FCPA, uma diminuição de 94% em relação a 2020 e o terceiro menor em uma década. Deste total, US$299 milhões foram aplicados contra o Credit Suisse Group AG, o que equivale a mais de 83% do total de sanções impostas em 2021.

Quanto à distribuição geográfica dos esquemas de corrupção, as 18 ações relacionadas ao FCPA protocoladas no ano passado encontram-se relacionadas a nove esquemas comuns de suborno, sendo dois localizados no Brasil e os outros sete, localizados em países distintos. Diante disto, em 2021, o Brasil deixou o segundo lugar e passou a liderar o ranking dos países mais frequentemente implicados em esquemas de suborno relativos a ações de FCPA. Observa-se ainda geograficamente que a América Latina totalizou mais de 50% dos esquemas de suborno (5), seguida pela Ásia (2), Oriente Médio (1), e África (1).

Em 2021, ao menos cinco grupos empresariais divulgaram que investigações sobre supostas violações do FCPA envolvendo empresas do grupo foram resolvidas pelas agências reguladoras. A SEC resolveu duas investigações públicas (Deutsche Bank AG e Amec Foster Wheeler plc), enquanto o DoJ resolveu uma (Amec Foster Wheeler plc). Adicionalmente, foram resolvidas quatro investigações pela SEC sem adoção de quaisquer medidas adicionais (BRF SA, Avianca Holdings SA, Pactiv Evergreen Inc. e Baker Hughes Company) e três pelo DoJ (BRF SA, Pactiv Evergreen Inc., e Baker Hughes Company). Registra-se ainda que a SEC entrou acionou a WPP plc e que tanto a SEC como o DoJ acionaram o Credit Suisse, mas ambas as empresas não deram publicidade à investigação.

Outro aspecto relevante em 2021 foram as mudanças de política anunciadas em outubro de 2021 pela Procuradora-Geral Adjunta, Lisa Monaco, e que têm por objetivo recrudescer a aplicação de sanções criminais aos infratores corporativos. Em síntese, as principais mudanças foram: (i) as empresas precisarão identificar todos os indivíduos envolvidos (e não apenas aqueles substancialmente envolvidos) em irregularidades corporativas e fornecer todas as informações não-privilegiadas sobre seu envolvimento aos promotores, a fim de que estas possam ser elegíveis aos benefícios atinentes à cooperação; (ii) não há presunção contra a imposição de um monitor corporativo para avaliar as práticas de conformidade, e que os promotores do DoJ são livres para exigi-lo quando apropriado para satisfazer os acordos corporativos; (iii) para determinar a forma mais adequada de resolução, o DoJ levará em conta todos os delitos civis, criminais e regulatórios anteriores cometidos pela empresa, incluindo condutas sancionadas por outras agências, tanto estrangeiras quanto internas. Adicionalmente, Monaco declarou que o DoJ perseguirá de forma contundente as empresas que se valem da leniência somente para continuar cometendo crimes, citando que sérias consequências seriam impostas a empresas por violar os termos de seus acordos.

O relatório “2021 FCPA Year in Review” lembrou ainda a adoção pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em 26 de novembro de 2021, de uma nova recomendação para combate ao suborno de agentes públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais. A referida recomendação tem por objetivo reforçar as medidas de persecução no combate ao suborno estrangeiro. Um dos principais focos da nova recomendação é é incentivar os órgãos governamentais a considerarem os programas de conformidade das empresas em suas decisões de concessão de vantagens públicas tais como subsídios públicos, licenças, contratos públicos de compras, entre outros. Além disso, a nova recomendação encoraja os países membros a coordenarem as investigações em processos simultâneos ou paralelos, e a prestar a devida atenção ao risco de processar a mesma pessoa em diferentes jurisdições pela mesma conduta criminosa.

Finalmente, representando um importante progresso na aplicação do FCPA em 2021, destaca-se o Memorando de Estudo de Segurança Nacional, elaborado pela administração Biden, que reforça a estratégia americana de combate à corrupção. Publicado em 3 de junho de 2021, o memorando determinou que os departamentos e agências federais conduzissem um processo de revisão interagências, identificando e buscando corrigir as lacunas persistentes na luta contra a corrupção.

A partir das conclusões de tal revisão, foi anunciada, em 6 de dezembro de 2021, a Estratégia dos Estados Unidos de Combate à Corrupção. A Estratégia é dividida em cinco pilares: (i) “modernização, coordenação e recursos dos esforços do Governo dos Estados Unidos para combater a corrupção”; (ii) “repressão às finanças ilícitas”; (iii) “responsabilização dos corruptos”; (iv) “preservação e fortalecimento da arquitetura multilateral anticorrupção”; (v) “melhoria do engajamento diplomático e alavancagem dos recursos de assistência externa para atingir as metas da política anticorrupção”. Cada um destes pilares se subdivide em objetivos estratégicos a serem alcançados. Serão emitidos relatórios anuais pelos departamentos e agências federais sobre o progresso alcançado no cumprimento das metas estabelecidas.

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