No dia 26 de outubro de 2021, após a sanção presidencial, sem vetos, do Projeto de Lei nº 2.505/2021, entrou em vigor a Lei nº 14.230/21, que altera substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). A nova Lei de Improbidade Administrativa, com a redação dada pela Lei nº 14.230/21, traz uma série de modificações, tanto de cunho material (relacionadas, por exemplo, a quem pode cometer atos de improbidade, quais as condutas que se enquadram como tal, as sanções e prazos prescricionais aplicáveis) quanto de cunho processual (como legitimidade para propositura da ação, duração do inquérito civil, alterações no procedimento processual, sucumbência, entre outros). Sem a pretensão de esgotar todas as inovações legislativas trazidas pela Lei nº 14.230/21, procuramos destacar alguns pontos que merecem maior atenção.
Dentre as principais alterações aprovadas, está a supressão da modalidade culposa do art. 10 da Lei nº 8.429/92 que trata dos atos de improbidade administrativa que causam lesão ao erário. Com o fim da modalidade culposa, uniformiza-se a exigência de comprovação de dolo para todos os tipos previstos na Lei de Improbidade Administrativa, sendo necessário demonstrar a efetiva intenção de alcançar o resultado ilícito para que agentes públicos sejam responsabilizados, conforme nova redação do art. 1, § 2º da Lei 8.429/92. Assim, danos ao erário causados por imprudência, imperícia ou negligência do agente público, que antes poderiam ser configurados como atos de improbidade na modalidade culposa, não mais poderão enquadrar-se como tal, embora sigam sujeitos às sanções pelos tribunais de contas e demais sanções de caráter administrativo. Ademais, citando expressamente a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, resta claro que somente haverá ato de improbidade administrativa, seja ele tipificado na Lei de Improbidade ou em qualquer outra lei especial, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (art. 11, §1º e § 2º da Lei 8.429/92, com redação dada pela Lei nº 14.230/21).
A reforma da Lei de Improbidade transforma em taxativo o rol de condutas ímprobas. Assim, se a conduta não estiver elencada na lei, não poderá ser considerada como ato de improbidade administrativa a ensejar a condenação e aplicação de sanções previstas na Lei 8.429/92, com a nova redação dada pela Lei nº 14.230/21. Outro destaque é que o nepotismo (inclusive o cruzado), configurado pela nomeação de cônjuge, companheiro ou parentes até 3o grau para cargo em comissão, de confiança ou função gratificada no âmbito da administração pública direta ou indireta em qualquer das esferas de poder, foi incluído como ato de improbidade, em consonância com a súmula vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal (STF) que já considerava tal prática inconstitucional.
Os agentes políticos (como, por exemplo, detentores de cargos eletivos) passam a constar de forma expressa na definição de agentes públicos (nova redação do art. 2º da Lei de Improbidade), estando assim igualmente sujeitos a responsabilização por atos de improbidade administrativa, além de se sujeitarem ao regime especial de responsabilização dos agentes políticos (Lei nº 1.079/50 e Decreto-Lei 201/67).
Ademais, a Lei de Improbidade continua sendo aplicável àqueles que, mesmo não sendo agentes públicos, induzam ou concorram dolosamente para a prática do ato administrativo. No entanto, o art. 3º, §1º, introduzido pela Lei nº 14.230/21 na Lei de Improbidade Administrativa, contempla previsão expressa no sentido de que sócios, cotistas, diretores e colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, respondendo nesse caso nos limites da sua participação.
Em matéria de compliance anticorrupção, caso o ato de improbidade administrativa seja também sancionado como ato lesivo à administração pública de que trata a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, as sanções previstas na nova Lei de Improbidade não se aplicarão à pessoa jurídica, afastando-se assim expressamente qualquer tentativa de dupla penalização pelos mesmos fatos, em observância do princípio constitucional do ne bis in idem (art. 3º, §2º e art. 12, §7º acrescidos à da Lei de Improbidade pela Lei nº 14.230/21).
Outra interessante novidade nessa seara, se refere ao “acordo de não persecução civil” a ser celebrado com o Ministério Público no curso da investigação, da ação de improbidade ou no momento da execução da sentença condenatória, para fins de integral ressarcimento do dano e de reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida. Dispõe o parágrafo §6º do art. 17-B que o referido acordo poderá contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como outras medidas em favor do interesse público e de boas práticas administrativas.
Quanto às sanções decorrentes do ato de improbidade administrativa, a Lei nº 14.230/21 mantém como sanções possíveis, a serem aplicadas isolada ou cumulativamente, o ressarcimento integral do dano patrimonial (se efetivo), a perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, o pagamento de multa civil e a proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios (nova redação do art. 12 da Lei 8.429/92). A novidade é que o prazo máximo de suspensão dos direitos políticos passa de 8 (oito) anos para 14 (quatorze) anos e o de proibição de contratar com o poder público muda de 10 (dez) para 14 (quatorze) anos. Entretanto, o valor máximo das multas cai em todos os casos, sendo equivalente ao valor do acréscimo patrimonial no caso de atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito (antes era de até três vezes tal valor), ao valor do dano no caso de atos de improbidade que causam prejuízo ao erário (antes era de até duas vezes tal valor) e até vinte e quatro vezes o valor da remuneração percebida pelo agente no caso de atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública (antes era de até cem vezes tal valor). Além disso, em regra, a perda da função pública apenas atingirá o cargo que o agente público exercia na época da prática do ato de improbidade.
No tocante ao prazo prescricional, a ação para a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade passa a prescrever em 8 (oito) anos (e não mais em cinco anos como antes), contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência (nova redação do art. 23 da Lei 8.429/92). No entanto, permanecem imprescritíveis, nos termos do art. 37, §5º, da CRFB/88, as ações de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos por atos de improbidade administrativa, conforme decisão do STF no julgamento do RE 852.475/SP, com repercussão geral reconhecida, não tendo a Lei nº 14.230/21, que modifica a Lei 8.429/92, adentrado em tal matéria.
Em relação às normas de natureza processual, ressalta-se umas das mais importantes alterações trazidas pela Lei 14.230/21 referente à legitimidade ativa para propor ações de improbidade administrativa. Pela nova redação do art. 17, caput, da Lei de Improbidade, o Ministério Público passará a ter legitimidade privativa para propositura de tais ações, ao contrário do que disposto no texto anteriormente em vigor, que previa a legitimidade concorrente do Ministério Público e da pessoa jurídica lesada. Diante de tal mudança, foi estabelecido o prazo de um ano, após a publicação da lei, para que o Ministério Público possa se manifestar sobre se tem ou não interesse na continuidade dos processos em andamento, inclusive em grau de recurso, ajuizados por advogados públicos (art. 3º da Lei nº 14.230/21). Durante tal período, os processos ficarão suspensos, sendo extintas sem resolução do mérito as ações de improbidade nas quais não haja manifestação ministerial.
Ademais, a ação de improbidade passa a seguir textualmente o procedimento comum previsto no Código de Processo Civil (art.17, caput da Lei 8.429/92 com a redação dada pela Lei nº 14.230/21), deixando de ser considerada uma espécie de ação civil pública. Foi também eliminada a fase de defesa prévia ao recebimento da petição inicial, passando os acusados por ato de improbidade a apresentarem sua defesa através de contestação no prazo comum de 30 (trinta) dias após a citação (art. 17, § 7º da Lei 8.429/92 com a redação dada pela Lei14.230/21).
Por fim, destacam-se ainda como novidades introduzidas pela Lei nº. 14.230/21 à Lei de Improbidade Administrativa: (i) tipificação da promoção pessoal de agentes públicos em atos, programas, obras, serviços ou campanhas dos órgãos públicos como improbidade administrativa (nova redação do art. 11, inciso XII da Lei 8.429/92); (ii) aumento do prazo de duração de inquérito civil para apuração de ato de improbidade administrativa para um ano (antes o prazo era de 180 dias), prorrogável por mais uma única vez (nova redação do art. 23, § 2º da Lei 8.429/92); (iii) a condenação em honorários de sucumbência será aplicada apenas para casos de comprovada má-fé (nova redação do art. 23-B, § 2º da Lei 8.429/92); (iv) não poderá ser punido como improbidade, a ação ou omissão decorrente de divergência na interpretação da lei (nova redação do art. 1º, § 8º da Lei 8.429/92).; (v) para atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública será exigida a comprovação de dano relevante para que sejam passíveis de sanção (nova redação do art. 11, § 4º da Lei 8.429/92).
A repercussão das alterações trazidas pela Lei nº 14.230/21 à Lei nº 8.429/92, inclusive quanto à retroatividade das regras mais benéficas, certamente exigirá intervenção dos tribunais superiores a fim de uniformizar o tratamento da matéria nesse ponto.
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